terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Um medo bobo

Posso passar 15 minutos ou 2 dias fora de casa - quando chego, meu cachorro me recebe assim que eu abro a porta do carro, todo louco, feliz porque voltei. “Mas saí faz 15 minutos, criatura!” falo pra ele quando, por exemplo, fui apenas na farmácia e voltei. Mas não importa, ele vem ansioso e ofegante do mesmo jeito.

Uh, uh, papai chegou! Uh, uh, papai chegou! ♫

Um amigo meu nos falou há poucas semanas que a esposa dele está grávida do primeiro filho e estava comentando comigo como a emoção tomou conta quando ouviu as batidas do coração. Comentei com ele o nervosismo que dava antes de cada sessão de ultrassom que minha esposa fez durante a gravidez pois, mesmo vendo que a barriga estava crescendo e eu sentia os movimentos do meu filho lá dentro, ainda dava aquela angústia de “será que o coraçãozinho dele vai estar batendo?”. Esse meu amigo concordou e me falou que sentiu a mesma coisa logo antes do ultrassom iniciar.


“Tá, mas o que essas duas histórias tem a ver?”, você pode me perguntar. Elas têm muito mais a ver do que você imagina. Os estudos da área de biologia dizem que os cachorros tem essa euforia toda ao nos ver quando chegamos porque, para eles, no momento em que não nos vêem e não sentem mais nossa presença, nós deixamos de existir. E, para eles, isso é horrível, porque um cachorro ama o dono como ama a própria vida. Logo, existe nele um medo de que não voltemos mais, então a alegria é enorme quando voltamos ao lar. Racionalmente, é um medo bobo, afinal só fui na farmácia e voltei, mas para o pobre canídeo, é uma chance de ficar sem seu dono pra sempre.

Esse mesmo “medo bobo” era o que ocorria comigo antes das sessões de ultrassom - aquela ansiedade de ouvir as batidas do coração. Era o momento que ficava comprovado, pra mim, que ele estava vivo, saudável, crescendo. E, refletindo sobre isso, percebi que os pais agem a vida toda como o cachorro assustado com a ausência do dono (ou, no caso, com a ausência do filho). Meu guri ainda tem pouco mais de 2 anos, não tive tantas experiências para comprovar isso, mas tenho certeza que o mesmo temor canino ocorrerá no primeiro dia de aula (será que ele estará bem sem a nossa companhia?), na primeira vez que for dormir na casa de um amiguinho, quando for brincar na rua e não voltar antes de escurecer, ao ficar até mais tarde no seu compromisso e não ligar avisando, ao ir a um show, a uma viagem com a turma do colégio, ao demorar para chegar da balada… Tantas e tantas ocasiões em que meus pais reclamaram comigo que “não avisei” e eu dizia “relaxa, não tem porque se preocupar”.

Desculpa, mamãe

Hoje, se possível, queria pedir desculpas aos meus pais por esses momentos de angústia e preocupação que causei por não pegar o telefone e dizer que iria demorar, que iria passar a noite fora ou que cheguei na praia após três horas e meia de engarrafamento. Eu achava que “não tinha porque se preocupar”, mas agora que tenho meu próprio filho, entendo o “medo bobo” e compreendo que a reclamação tempestiva era a forma humana dos meus pais me receberem tal qual meu cão faz quando abro a porta do carro ao chegar em casa. No fim, são todas formas de dizer “eu te amo e me importo com você”.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Curtinha #5


Fomos ao shopping no sábado. De acordo com o sorteio promovido de forma totalmente autoritária transparente pela minha esposa, eu usaria o sling (se você não sabe o que é, clique aqui) e carregaria o rebento. Nenhum problema, afinal prefiro carregar ele do que a bolsa da sua progenitora. Olhares curiosos e comentários em off eram comuns e até esperados, nada que me incomodasse. Contudo, em um determinado momento da jornada capitalista adentro dos corredores opressivos que gritavam “COMPREM! GASTEM! REGOZIJEM-SE COM INUTILIDADES!”, resolvo comprar uma calça jeans. Deixo o guri com a mãe e entro na loja, com o sling ainda repousando no meu corpo como um kimono de alguma dinastia oriental da primeira década de séculos. A vendedora acha esquisito. O cara que estava comprando bermudas acha esquisito. A menina que estava sentada à frente dos provadores, com sua mãe, acha esquisito. “O que é isso, mãe?” - pergunta ela, baixinho, como se eu não pudesse escutar. “Deve ser o que os jovens usam hoje” (ou algo parecido), responde a mãe. Ela quase acertou - são os pais que usam, mas serve para carregar os jovens.