sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Jovem delinquente


O texto da semana passada sobre mentira e honestidade me fez lembrar de mais um episódio da minha infância (aqui tem um e tem outro aqui também).


Eu devia ter uns 5 anos na época, e estava no mercado com mamãe. Não era do tipo de criança que fazia birra para que meus pais comprassem porcaria no mercado (mesmo porque já tinha ouvido “não” vezes o suficiente para prever qual seria o resultado final). No máximo, pedia uma ou outra coisinha apenas para testar o grau de recepção. Naquele dia, enquanto estávamos já no caixa, passando as compras, vi um Laka na gôndola, e deu vontade.


Ei, organizadores das gôndolas que colocam só guloseimas na boca do caixa: vocês não prestam!


Pensei “vou pedir pra mamãe!” e, na maior inocência (pra não dizer burrice), não levei em conta um pequeno detalhe: pra mamãe levar o chocolate, tem que dar o chocolate pra mamãe pagar! Acabei guardando o Laka no bolso, imaginando que minha mãe teria visto e pago por ele. Após sair do mercado, peguei o chocolate, já prevendo a explosão de endorfina ao mordê-lo, quando os olhos saltados da minha progenitora acusaram que algo estava errado. “Filho! De onde veio esse chocolate???”, perguntou ela. Eu, ainda sem entender, disse “do mercado, mãe!”. Ela, então, retruca “mas eu não paguei por ele!”.


"não... Não! NÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOO!!!"

Silêncio. Pensamentos confusos. Enfim, com voz embargada e olhos marejados, eu pergunto a mim mesmo “Eu… Eu roubei o chocolate?”, e caio no choro. Era isso, então. Eu havia praticado meu primeiro delito na vida. Ali poderia ter sido o início de uma vida de crimes. Aquele Laka poderia me levar a um Doritos, ou pior - a um Kinder Ovo! Depois, uma revista, um celular, um carro, e com a idade de agora estaria definhando devido às drogas, com uma tatuagem tribal na cara, encarcerado em algum presídio brasileiro, por conta de uma tentativa de roubo a caixa eletrônico que deu errada porque meu parceiro calculou errado a quantidade de dinamite que teríamos que usar.


Na foto tá faltando a tatuagem tribal no rosto

Mas não! Eu não quis aquele chocolate. Não o comi. Minha mãe me ofereceu, e eu disse que não queria, pois era roubado. Ela me explicou, com paciência, que eu não devia me sentir culpado porque não sabia que tinha feito algo de errado, mas que era para tomar como lição para nunca mais fazer a mesma coisa. E ela acabou comendo o chocolate porque “dane-se, não fui eu que roubei”.


O mais importante, na verdade, não foi a explicação, mas sim a forma que fui educado até antes daquela pequena transgressão, para ter a real noção que o que tinha feito era errado, e por isso era desmerecedor daquele chocolate.E essa é a real lição dessa linda historinha: a educação vem de berço, e os valores morais também.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Mentira tem perna curta


Dizem que o problema do Brasil é o brasileiro, que o “jeitinho” daqui é uma herança portuguesa de um povo corruptível e que tenta levar vantagem em tudo. Isto posto, é de se imaginar como é difícil conseguir educar corretamente a geração que herdará esse pedaço de terra que está deitado eternamente em berço esplêndido.

Lííímpidoo...

Há uns dias atrás, na volta do trabalho para casa, estava esperando o ônibus, e quando ele chegou, a mãe de uma criança que estava na minha frente disse ao rebento “se te perguntarem, você tem 4 anos”. Não parece grande coisa, se você não soubesse que aqui, onde moro, menores de 4 anos não pagam a passagem (não sei se isso é uma lei nacional, ou algo assim). O guri - que claramente já tinha passado dos 1461 dias de vida - foi instruído pela mãe a mentir a idade para que ela pudesse economizar pouco menos de 4 reais (e sabe-se lá com que frequência isso acontecia). Noutro dia, também na fila do ônibus, um mendigo veio pedir dinheiro, e outra mãe - com sua filha - disse ao homem que não tinha dinheiro. Depois que ele foi embora, a menina perguntou “mãe, mas você não tem aquele troco da farmácia?”.

Cuidado: ser sincero demais também pode ser problemático

Acredito que não seja um problema particular do brasileiro, mas nós tendemos a mentir com muito mais frequência e naturalidade do que gostaríamos de admitir. Mentiras das mais pequenas até as que se carregam por dias, meses e anos. Fazemos isso ao mesmo momento em que tentamos educar crianças a serem cidadãos corretos e de bem. “Como explicar para uma criança que, na verdade, eu não queria dar meu suado dinheiro a um mendigo?”, a moça da fila pode dizer, em sua defesa. “Eu sou mãe solteira, tenho que levar meu filho junto comigo a todos os lugares! Como vou custar o dobro de passagens?”, poderia falar a outra, como justificativa. E aí entramos na parte da “desculpa”, que é um buraco maior ainda.

Mentira mais recorrente: "já tava assim quando cheguei"

Eu não sou nenhum exemplo de ser humano correto. Tive cópia de Windows pirata. Baixo os episódios de Game of Thrones porque não tenho HBO em casa. Já aceitei troco errado a meu favor. Já dei inúmeras desculpas para tentar me safar de algo que era culpado - mesmo que fosse algo irrisório. E quem nunca fez algo parecido, não é? Mas aí é que está o problema: por ser comum, achamos que “tá tudo bem”. Mas, ao me deparar com as cenas que descrevi acima, quase pude ver pequenos pingos de tinta escura caindo sobre transparente inocência das crianças, e aquilo me assustou. Se isso vai me fazer conseguir ser uma pessoa mais correta e justa, para tentar dar o melhor exemplo possível pro meu filho, eu não tenho como saber. Mas posso começar pagando a passagem dele quando chegar a idade.