Uma e meia da manhã. Acordo com os latidos ensandecidos dos cachorros - o meu, oficial, e a cadela, temporária. Temendo pelo sono dos anjos do meu filho e da minha esposa, fui ver o que estava acontecendo. Cheguei distribuindo água com a mangueira do jardim para dispersar os cães e olhei pelo portão para encontrar o motivo de tanto desespero canino. Eis que um cachorro, na rua, me vê e vem em direção ao portão. Era um cachorro branco, lindo, possivelmente perdido. Não tinha coleira, mas com certeza não era um dos cães de rua da vizinhança, já que conheço praticamente todos (devido à inimizade que o meu cachorro nutre por eles). Ele me olhava como quem pede ajuda. Eu poderia ignorá-lo e torcer para que fosse embora, ou voltar para dentro de casa, pegar dois potes e colocar água e ração para ele, mas havia chances que isso causasse mais visitas do cão à minha porta e, consequentemente, mais latidos durante a noite, colocando o sono da família em risco. Então, tomei uma decisão drástica: liguei a mangueira contra o cão, para expulsá-lo de perto de casa. Na primeira vez ele resistiu, mas a segunda saraivada de gotículas de água fez o serviço. Enfim, a ameaça havia sido neutralizada. Mas a que preço?
Era parecido com esse aqui
Demorei para conseguir dormir. Sou muito mole quando se trata de animais, principalmente os desamparados. Pra piorar, um tempo depois começou a chover, e fiquei imaginando o que havia acontecido com o pobre cão perdido. Mas aí percebi que atingi mais um ponto na escala evolutiva de ser um pai de família: proteger os meus a todo custo. Pode parecer egoísmo ou prepotência, mas é fato que, quando se atinge o status de pai de família, é preciso ir contra o senso comum de que “somos todos iguais” e estabelecer que os membros da sua família são mais importantes que qualquer outro ser vivo. Você, enquanto detentor de tal responsabilidade, vai manter em seu subconsciente a ideia que seus filhos são melhores e mais importantes que todos os outros filhos, que sua mulher é melhor e mais importante que todas as outras mulheres, e que enfrentará as piores feras - ou cães abandonados - para manter o bem estar deles.
Aí, ó! Todos protegem seus bacuris!
Parece cruel, mas faz todo o sentido biológico: da mesma forma que meu cachorro e a cadela maluca latiam incessantemente contra o outro cão, vendo nele uma ameaça ou invasor do território que eles definem como sendo deles (no caso, a minha casa), nós pendemos a proteger o que é nosso, por mais irracional que pareça. Por isso, sinto muito, cachorrinho-branco-bonito-e-sem coleira-que-pareceu-pedir-arrego-pra-mim, mas naquele momento eu fiz uma escolha, e escolhi garantir o sono tranquilo da minha família. Espero que você possa me perdoar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário