Eu era uma criança chorona. Se bem me lembro, chorava fácil por coisas bestas. Era uma forma de chamar atenção, creio eu. Infelizmente, até um pedaço da minha adolescência eu também usei essa artimanha - e não me orgulho.
De uns anos pra cá, parei com isso. Tirando raríssimos momentos de raiva ou de discussões acaloradas, não tenho derramado uma lágrima sequer. Minha esposa até me diz que eu não tenho mais coração.
“Sr. Mágico de Oz, quero um coração!”
Dizem que homem não chora. Hoje é moda dizer que isso é bobagem, para vender a imagem de que os homens têm sentimentos. Mas na época do meu pai era a mais pura verdade: se chorou, é frouxo. Bom, eu já vi meu pai chorar algumas vezes, e nunca considerei frouxidão. Talvez dependa do motivo, afinal existem vários tipos diferentes de choro, e o de emoção provavelmente é o que mais pega de surpresa.
Admito que fiquei um pouco apreensivo nas semanas antes do nascimento do meu filho. Senti-me pressionado a chorar. Muitos me perguntavam se eu achava que iria chorar, principalmente minha esposa. E eu não sabia responder, afinal fazia tanto tempo que eu não chorava! Eu nem lembrava mais como era, como começava, quando se separava o momento entre não conseguir segurar as lágrimas e estar com o beiço formado. Cheguei a pensar que se eu não chorasse, seria vergonhoso, pois pareceria que eu não estava nem aí para o nascimento do bebê. Eu também sou um péssimo ator, então nem fingir chorar eu consigo!
Para quem soube como foi a epopeia do nascimento, é fácil entender que a tensão estava à flor da pele. Quando o vi pela primeira vez, foi muito rápido, em um momento de nervosismo, não pude pegá-lo, nem tocá-lo. Muita informação na cabeça. Não consegui chorar. Saí do berçário me sentindo meio culpado por isso, enquanto recebia os parabéns dos parentes que estavam me acompanhando.
Fiquei no aguardo da segunda vez de vê-lo, para tentar curtir um pouco. Foi no outro dia, pela manhã. Antes de ir até o setor de maternidade do hospital, fui visitar a minha esposa, que ainda estava em observação após a cesárea. Falar com ela me acalmou, mas ainda me deixou tenso. Quando cheguei ao berçário, ver meu filho na incubadora, com um respirador, e um médico me explicando que estava tudo bem, dando detalhes sobre o nascimento e evolução, quebraram o momento de intimidade que queria ter com o bebê. Por isso, continuei sem chorar. A terceira vez que o vi foi na tarde deste mesmo dia, onde o clima foi quebrado pela necessidade de passar as informações para preencher a ficha para registrá-lo como meu filho no cartório.
Quando já me sentia um homem-de-lata, veio o dia seguinte. Fui visitá-lo, e ele já estava sem respirador. Consegui ver certinho o rosto dele, mesmo tão pequenino já conseguia respirar sozinho, e ao colocar a mão dentro da incubadora, ele segurou meu dedo. Aí o choro veio ao natural. Numa situação dessas, um pai de verdade - por mais “machão” que seja - vai derramar pelo menos uma gota de suor masculino pelo olho esquerdo. Não sei explicar, é totalmente diferente de assistir o Marley morrer no filme, ver a esposa entrando no altar ou levar uma paulistinha no futebol do fim de semana. Não tem nada a ver com acompanhar seu time ser rebaixado, descascar cebolas, o Brasil perder de 7 a 1 da Alemanha ou baterem no seu carro zero semanas depois de você tirá-lo da concessionária. Você vê aquela miniatura de pessoa, se remexendo e espreguiçando, e pensa “ele está aqui por minha causa”.
Eu não sei por que o ser humano chora, como e em quais circunstâncias as glândulas lacrimais são acionadas, se é frouxidão ou não. Mas se existe um motivo concreto para que o choro exista, é pra dizer ao mundo “meu filho nasceu”.
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