Quando eu tinha mais ou menos uns 10 anos, encafifei que queria comprar um presente de Dia das Mães para - obviamente - minha mãe. Mas eu queria ir sozinho, escolher e pagar com o dinheiro que eu tinha.
Naquela época, existia no centro da cidade uma feira de artesanato, montada todos os domingos pela manhã. Eu já era acostumado a ir lá com meus pais, meus tios e meus avós. E já sabia qual ônibus pegar e onde parar. Claro que, na primeira metade dos anos 90, a realidade era outra: a cidade era bem mais tranquila, o índice de assaltos ainda era pequeno, e era normal - pelo menos para mim - crianças pegarem ônibus sozinhos. Mas ainda assim, ir sozinho para o centro não era algo comum e totalmente seguro. Ainda assim, eu estava predestinado a ir. Falei com o meu pai, que depois de muita deliberação, aprovou.
Saí faceiro, todo dono de mim, para pegar o ônibus. Paguei ao cobrador a passagem, sentei no banco e esperei ansioso pelo momento de apertar o botão de parada quando chegasse perto da feira. Minhas pernas pequenas - balançando no ar por não ter altura ainda para alcançar o chão do ônibus - não exprimiam o meu sentimento de grandeza por estar sozinho e a caminho de cumprir um feito tão representativo para alguém da minha idade.
Ao chegar na feira, passeei pelos corredores da feira, vendo em cada barraca um presente que pudesse representar a importância da minha eletrizante jornada. Quando gostava de algo, gravava onde a barraca estava e partia para a próxima. Obviamente eu não tinha muito dinheiro - 10 anos né, minha gente - e por isso precisei caminhar bastante para encontrar algo que me apetecesse. No fim, nem lembro exatamente o que eu comprei. Só lembro da minha sensação de missão cumprida ao voltar para casa.
foi mais ou menos assim que me senti durante o passeio
Ao ler essa história, você pode pensar “meu Deus, com 10 anos e andando sozinho no centro? Que tipo de pai permite isso?” ou “nossa, então o mundo hoje está muito mudado, pois eu nunca deixaria meu filho de 10 anos pegar ônibus sozinho, muito menos ir para o centro!”, entre tantos outros pensamentos recriminatórios. Mas algo que eu não sabia - e fui descobrir apenas há algum tempo atrás - é que meu pai foi atrás de mim. Me seguiu por todo o trajeto, me observou parar em cada barraca, e quando me perdia de vista no meio da multidão, se enfiava no meio para sempre saber onde eu estava. E eu, ingênuo, em nenhum momento desconfiei, sequer olhei para trás. Diz meu pai que, em alguns momentos, quando eu me virava, ele se escondia no meio das pessoas, para que eu não o visse.
Provavelmente, se eu descobrisse na época, eu ficaria bravo com ele, reclamaria que ele não confiava em mim ou que ele não me deixou caminhar com minhas próprias pernas (como se eu já tivesse idade para tal). Mas hoje eu fico admirado em pensar na atitude dele. Ele encontrou um jeito de demonstrar que confiava em mim quando eu mais queria isso, de me proteger durante todo o percurso e ainda de observar o quão capaz eu era de executar a tarefa que eu disse que iria fazer. Para mim, essas duas horas entre sair e voltar de casa é uma síntese dos deveres de um pai durante a vida toda do filho: proteger sem precisar se mostrar, observar sem alarmar e confiar sempre que o filho prove que merece tal confiança.
Não sei se terei que seguir meu filho, feito um agente secreto ou um ninja, também duvido que ele pegue ônibus sozinho aos 10 anos de idade. Não sei dizer em que momentos da vida eu poderei aplicar os mesmos ensinamentos que tive com esse pequeno fato da minha infância, mas se essas atitudes forem necessárias para fazer meu filho se sentir tão bem quanto me senti naquele domingo, com certeza eu o farei.
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