Nesses dias estava ouvindo rádio no carro quando começou a tocar “American Jesus”, do Bad Religion. Eu vibrei, comecei a cantar e batucar no volante. Depois dei-me conta que tenho a mesma música no MP3 do mesmo aparelho de som, instalado no mesmo carro, e consecutivamente eu passo dessa música para uma outra quando ouço o início. Penso “ah, essa já ouvi nesses dias”. E mesmo tendo ouvido “nesses dias”, adorei quando tocou na rádio.
Se não fosse pelo ocorrido do mês passado, o meu filho estaria nascendo apenas por esses dias. Todo o nosso planejamento estava focado nesse período, mas quis o destino - esse sarrista - que ele nascesse de uma forma incrivelmente conturbada e que nos fez correr de um lado a outro durante semanas até que o guri, enfim, estivesse bem e em casa.
A semelhança das duas histórias baseia-se no fator surpresa e como ele te afeta no momento. Eu posso passar uma música boa por ter o controle sobre isso, mas é empolgante quando ela se apresenta sem eu ter escolha. Eu posso fazer tudo de acordo com o “script” de “o que fazer quando for ter um bebê” - arrumar a mala do rebento, saber para qual hospital ir, ter o telefone do obstetra em mãos, passar o horário de visitas para parentes e amigos - com toda a calma do mundo, por estar preparado para aquele momento (ter o controle), mas ficar totalmente perdido quando o momento selvagemente aparece do nada e com ares de crueldade.
O ser humano é prepotente por natureza. Independente do credo ou fé que tenha, no fundo todos achamos que temos o controle de todas as situações. Na verdade, tendemos a tentar manipular a ocasião de forma que seja possível estar no comando. Mas não é bem assim que a vida funciona. Em alguns momentos, o que nos resta é esperar - seja esperar por uma música ruim acabar e torcer para começar uma melhor, ou curtir o momento de uma música boa, esperando que a próxima seja tão boa quanto. Um grande amigo meu fez uma excelente analogia: assim como um soldado despreparado em guarda noite adentro olha para a escuridão como se estivesse enxergando tudo, tendo que permanecer de pé e aguardando o nascer do Sol, para que a tensão e a obrigação de guardar seu posto acabasse, lá estava eu, no hospital, aguardando informações sobre minha mulher e filho sem poder perder a postura. Afinal, como eu já disse na postagem sobre a cadela louca, a maior virtude do ser humano é saber se adaptar a uma adversidade.
Mesmo sem ter o controle do rádio, eu fiquei ali, firme, esperando aquela música horrível - que parecia cantada pelo dueto Gusttavo Lima e Tati Quebra Barraco, com Chimbinha nas guitarras - acabar de uma vez e torcendo para que a próxima não fosse tão ruim, ou pior. E a espera valeu a pena, pois depois tocou uma música incrível, daquelas com 10 minutos de solos animais de Clapton e Knopfler, que tocam no final do show, com chuva de papel picado e o Tyler dando mosh na plateia, enquanto o Burton distribui palhetas. E quando essa música tocou, eu vibrei, comecei a cantar e a batucar. E se estivesse na minha lista de MP3, deixaria no repeat por um bom tempo.
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