Comentei no texto "Boys don't cry" que no segundo dia o meu filho já estava sem o respirador. Mas o que não comentei é que ele o removeu sozinho. Agarrou o tubo, puxou pra fora, e quando as enfermeiras se deram conta, ele estava erguendo o acesso do respirador como se fosse um troféu. O pediatra notou que ele conseguia respirar sozinho e o manteve assim. Após isso, ele várias vezes também tentou remover a sonda de alimentação e a sonda que repassa os antibióticos. Nesses dias cheguei para a visita e me deparei com o guri com as duas mãos envoltas em luvas feitas de gaze. Meu primeiro pensamento foi que faziam lutas de boxe clandestinas com os recém nascidos durante a madrugada, e o vencedor ganhava mais leite no dia seguinte, mas a enfermeira logo me explicou que era para evitar que ele removesse as sondas.
Levanta a guarda! Levanta a guarda!
Engraçado pensar que, de certo modo, ele já havia recebido o primeiro castigo da vida. Não é permitido remover as sondas, por mais incômodo que seja, caso contrário terá que usar luvas feitas de gaze.
Como as sondas incomodavam - e não era mais possível tentar removê-las - ele logo começou a ficar nervoso, a se contorcer e chorar. Aí aprendi um truque novo: ao segurar os bracinhos junto ao corpo, de forma cuidadosa, porém firme, o bebê se acalma. Boatos que ele se sente aninhado, com lembranças de quando estava na barriga da mãe.
Quem me dera se toda a educação do filho fosse baseada em cobrir suas mãos quando quisesse fazer algo errado e segurá-lo com firmeza quando estivesse nervoso. Mas a medida que ele cresce, sua mente se desenvolve, suas necessidades e curiosidades mudam, e os pais precisam mudar junto. O que hoje é uma sonda que não pode ser retirada, amanhã pode ser a escada que não pode subir, a terra do jardim que não pode comer ou o rabo do cachorro que não pode puxar. E depois será o dinheiro da carteira que não pode pegar ou a chave do carro que não pode sair de cima da estante - muito menos entrar na ignição. E não importa por qual motivo ele fique nervoso - seja pela proibição, por dor ou por acasos da vida - será cada vez mais difícil para os pais descobrirem o que fazer para acalmar seu rebento.
O excesso de zelo também pode acabar por criar um indivíduo frustrado e/ou sem experiências de vida. Por isso, encontrar o equilíbrio entre a proibição, a proteção e a permissividade é crucial para que o filho se desenvolva como um adulto bem resolvido(e ainda tem gente que acha que o pior de ter um filho é ter que pagar a faculdade).
Nenhum pai quer ver seu filho sofrendo, errando ou se dando mal. Contudo, às vezes o filho precisa tirar as sondas da vida para perceber que, por mais que estejam incomodando, é pior ficar sem elas. E em alguns momentos não terá ninguém para segurar seus braços junto ao corpo na hora que a angústia ou a raiva baterem. A vida não é um morango split com tubetes e cobertura de Confeti, ela é aquela bala azeda e amarga, dura pra caramba, que demora um tempo até dissolver toda a parte ruim e conseguir chegar no recheio doce. Eu acredito que pais e mães devem sim proteger e coibir o filho, mas isso não pode virar rotina. Colocar a todo momento luvinhas de gaze ou aconchegar com as mãos o seu filho sempre que algo incomodar é aliená-lo de tal forma que, assim que ele sentir o gosto acre da bala, vai querer cuspi-la e nunca mais colocar na boca.
a vida não é isso
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