terça-feira, 31 de março de 2015

Criançocentismo


Hoje vou começar uma série de quatro textos, falando a respeito de um ótimo artigo do blog Papo de Homem, datado de 2012, mas que é real até hoje. Ele fala um pouco sobre a tal da geração leite com pera - que já comentei aqui - e como isso se tornou uma bola de neve no momento em que essa mesma geração começou a ter filhos. Se você tiver tempo - e paciência, vale a leitura.

O primeiro tópico é a respeito de fazer da criança o centro da casa: pelo fato de muitos desses pais terem sido mimados na sua infância, eles pretendem fazer o mesmo - ou pior - com os seus próprios filhos. Tudo é para eles, do jeito que eles querem, na hora que querem. Toda rotina muda, de forma que as crias fiquem o mais à vontade possível. Não precisa ser muito gênio para imaginar que no futuro essas crianças pensarão que podem fazer o que bem entendem.


"Mas sem confete por cima! Humpf."

Lembro-me que na minha infância não era assim. Por exemplo, tínhamos apenas uma TV, e podíamos assistir o que queríamos enquanto outro adulto não estivesse lá. Se era hora do jornal, da novela ou do filme, “perdeu”. No caso do video game, várias vezes eu e meu irmão acordávamos 6h da manhã de domingo para poder jogar antes que meu pai acordasse. Além disso, não é porque estávamos em casa que meus pais mudavam a rotina deles. Por conta disso, brincávamos muitas vezes entre nós - ou sozinhos - para passar o tempo sem ficar aporrinhando os adultos. Brigávamos e tentávamos forçar as nossas vontades contra a dos pais? Claro que sim! Adiantava? Claro que não! Isso nos tornou adultos revoltados, ranzinzas e maus? Muito pelo contrário! Aprendemos que nem sempre podemos ter tudo o que queremos.


Esse era o embate televisivo toda noite

Hoje, pra nós, é um pouco difícil não colocar nosso filho como o centro das atenções, já que toda a nossa rotina mudou por causa disso: tivemos que adequar horários para comer, para banho e até mesmo para dormir e acordar. Acredito que vai ser assim por um bom tempo, até o guri ter mais independência. Contudo, temos que ficar atentos para começar a cortar aos poucos todo esse “criançocentismo” durante o crescimento dele. Não sei o grau de dificuldade que isso acarreta para pais de primeira viagem, mas de exemplos ruins o mundo tá cheio, né?

quarta-feira, 25 de março de 2015

Esquerda volver!

Dizem que pobre só herda do pai o que ele tem de ruim. Essa máxima mostra-se bem provável ao observar meu filho brincando e manipulando objetos: ele prioriza a mão esquerda para tudo. Sei que ainda é cedo para ter certeza, de repente é só um costume dele, mas acredito que minha primeira previsão é verdadeira: ele é canhoto.

É um misto de alegria e dó. Alegria por acreditar que canhotos tem um “quê” de originalidade nesse mundo, e dó, porque sei o quanto ele vai sofrer. Talvez a maioria das pessoas não façam ideia de como quase tudo no planeta é feito para destros, e como isso complica nossos mais simples afazeres. Por isso, hoje vou apresentar aqui algumas das dificuldades que meu filho provavelmente enfrentará no futuro, assim como eu e tantos canhotos já enfrentamos, apenas a critério de consentimento. E vou fugir dos óbvios, como abridor de latas, violão, mouse, carteiras de cursinho e espiral de cadernos. Vai muito mais além disso!


1- Bicicleta: parece bobeira, mas não é. Você, destro, imagine-se carregando sua bicicleta numa subida ou em um lugar onde não é possível andar. Você se posiciona do lado esquerdo da magrela e estica seu braço direito para segurar o guidão direito, a fim de ter mais sustentabilidade, certo? Pois é. Nós, canhotos, carregamos-a do outro lado, onde fica a coroa, a correia e, consequentemente, a graxa, que teima em sujar sua calça, perna e meia se você não tomar cuidado.



outro bom exemplo prático.


2- Tesoura: além da maioria ter o design para o perfeito encaixe da mão direita, a posição das lâminas em relação ao esforço de “pinça” feito pela mão faz com que canhotos desistam de cortar coisas com a mão esquerda. Se duvida, experimente cortar algo em casa usando a canhota.


repare na diferença da lâmina


3- Piano: instrumentos de corda e de percussão podem ser, mesmo com algum esforço, invertidos para se adequar a um canhoto. Mas com piano e teclado musical, não é bem assim. Talvez um leigo não perceba, mas no piano a mão esquerda geralmente faz um acorde, enquanto a mão direita vai e volta, tocando várias teclas, demandando mais velocidade e precisão.


obrigado pela demonstração, Tom


4- Teclado de computador: teclas de navegação (setas, page up e page down) e numerais de digitação rápida estão do lado direito. Existem teclados para canhotos à venda, mas por preços nada módicos.


Estranho, não? NÃO!


5- Caneca/Medidor: experimente pegar aquela caneca bonita ou que tem uma frase engraçada com sua mão esquerda - a frase fica visível só para quem te olha. A mesma coisa com copos e jarras medidoras: o pegador é sempre à direita das medições.


ʞɹoʎ ʍǝu


6- Luva de cozinha: de duas uma: ou o lado canhoto é mais fino/menos forrado que o usado pelos destros ou a costura do dedão quase deixa impraticável usar a luva com a mão esquerda.


Um bom exemplo do primeiro caso.


7- Relógio: o pino para ajuste dos ponteiros fica à direita, para que o destro possa usá-lo facilmente, afinal destros costumam usar relógios no pulso esquerdo. Agora, calcule para quem usa no pulso direito.



8- Cartas: É assim que um canhoto organiza sua mão de cartas. Acho que a imagem resume bem o problema.

normalmente a solução é montar de ponta cabeça e inverter a pegada


9- Folhear um livro/caderno/revista/etc: Que tal procurar as coisas de trás para frente?


10- Tirar foto: tanto em máquinas de fotografar quanto em celulares - analógico ou touch, o botão de foto normalmente fica à direita, o que dificulta - e muito! - tirar uma foto com uma mão só, ou que demande precisão cirúrgica. A solução às vezes é tirar a foto de ponta cabeça.

agora pense como é tirar foto com a mão esquerda

Esses são apenas exemplos, pois existem muitas outras situações que demandam paciência e habilidade extra de nós, seres canhotos. Pelo menos, quando meu filho tiver suas primeiras frustrações a respeito da canhoteirice, eu poderei abraçá-lo e dizer “eu sei como você se sente!”.


quinta-feira, 19 de março de 2015

De repente, 30

Há algumas semanas estava conversando com um grupo de amigos - os quais também farão 30 anos nos próximos 365 dias - e um deles nos abriu uma conversa que teve com o pai:
Pai: - 30 anos, hein.
Amigo: - Pois é…
Pai: - Você fez tudo o que queria ter feito antes dos 30 anos?
Amigo: *silêncio eterno* - Não…


"- Pois é...."
"- Pois é..."


Eis que, logo depois, todos ficamos no mesmo silêncio eterno. Tantas coisas que queríamos ter feito antes de chegar na terceira dezena de vida: viajar, conhecer lugares novos, aprender a tocar um instrumento novo, fazer aulas de desenho, de dança, de idiomas, ser voluntário em alguma causa nobre, ter uma banda, terminar Resident Evil 2 no nível mais difícil… Sonhos que tivemos outrora e que não conseguimos alcançar. Contudo, não posso reclamar de como me virei até alcançar esses 30 anos. Não tenho uma vida de riquezas, luxo e ostentação, mas consigo sobreviver e até dá pra comprar um Kinder Ovo uma vez ou outra.


#ostentação

O maior problema de ter 30 anos é quando se tem um rosto como o meu - se ainda era plausível para alguém com cara de criança dizer que tem 20 e alguns anos, a partir dos 30 já vira incredulidade. Isso, alheio ao fato de ser pai - e, por assim dizer, ter que provar sempre que possível que sou um adulto - me deixa sem saber como agir perante a troca do número à esquerda no meu campo “idade”. “Cabelo cai, barriga cresce”, disse um. “Metabolismo diminui, dores aumentam”, disse outro. Acho que um aniversário nunca foi tão contraditório para mim quanto esse, pelo menos desde meus 18.


História da minha vida...


“Tá, mas e o seu filho entra onde nessa história? Esse é um blog sobre paternidade!”, você pode perguntar. Sim, é. Mas hoje o assunto se baseia no pai (sem pai não tem filho, né? A não ser que seja de proveta, mas aí é outra história), e sobre suas incertezas, fraquezas e tudo aquilo que tentamos esconder dos nossos filhos, a fim de que sempre acreditem que tem, na figura dos pais, alguém em quem podem se apoiar e se espelhar. Deixei de fazer (ou não tive condições de fazer) muita coisa que gostaria de ter feito antes dos 30, mas um dos sonhos eu realizei, e ele completou 8 meses ontem. Parabéns pra nós!

sexta-feira, 13 de março de 2015

Comer, comer

Eis que o médico liberou refeições não leitosas para o rebento. Agora ele pode (deve) comer frutas, mingau e papinhas de legumes, carne e cereais. Ainda não pode pizza - o que é uma pena, já que pizza tem proteínas (queijo), carboidratos (massa), legumes (cebola), verduras (orégano) e ainda é possível jogar um azeite (que ele disse ser bom para o bebê). Praticamente uma refeição completa. - Além disso, sucos naturais também estão no cardápio.

Hummm... Fome.

Faz algumas semanas que ele olha com bastante curiosidade para os nossos pratos e para nós comendo, o que facilmente é encarado por avós e afins como “vontade de comer”. Mas bastou a primeira tentativa de fruta e de suco para ver que não é bem assim: caretas, manhas e nervosismo resumiram a falha de alimentar a criança com refeições não habituais para ele (talvez devêssemos ter começado com a pizza).

"O que? Não é pizza???"

O pior não é isso. Reza a lenda, contada há séculos por mães de seres humanos, que assim que o bebê começa a comer alimentos sólidos e afins, as trocas de fraldas ficam bem mais tensas - cheiro, quantidade e ferocidade intestinal aumentam exponencialmente, obrigando o detentor da tarefa a ser rápido, preciso e ter bom fôlego. Eu, como não tenho nenhuma dessas aptidões, vou comprar máscara e luvas.

Próxima aquisição

Então fica o aviso para os futuros pais: não é fácil introduzir alimentos sólidos e sucos na alimentação do bebê, mas é necessário paciência e perseverança; também é muito importante manter um cardápio com alimentos saudáveis e naturais - nada de industrializados, com conservantes, corantes, cortantes, laxantes e expectorantes. A alimentação correta é essencial para o desenvolvimento e sistema imunológico da criança - ainda mais em casos como o do meu, que é prematuro. Então mantenha o foco, compre sua máscara, uma pizza, e vamos adiante!

sábado, 7 de março de 2015

Bola 8, caçapa do canto

De vez em quando minha esposa “reclama” que eu deveria passar mais tempo brincando com o meu filho. Eu entendo, pois ela fica quase o dia todo com ele, enquanto eu saio para trabalhar. Quando chego em casa, tenho pouco tempo de “lazer” propriamente dito, entre todos os afazeres de casa e até mesmo aquele tempinho para “mim mesmo”. Mas eu tento compensar.

"Quem disse que homens não conseguem ser multitarefa?"


Pra mim é um pouco estranha essa necessidade de filho brincar com o pai, pois não lembro de nenhuma vez na minha infância que isso tenha acontecido, que eu tenha sentido falta ou até de ter pedido ao meu pai ou minha mãe para brincar comigo. Talvez porque eu tinha um irmão mais velho, ou talvez porque conseguia me divertir sozinho, afinal sempre fui muito independente. Não que eu tenha maus pais, mas acho que, por não existir da minha parte esse ímpeto, ficou bem dividido o lado pai e mãe do lado amigo e amiga (o que seria mais ou menos o que comentei nesse texto).

"Fique com o troco, seu animal!"


O dia que essa visão mudou um pouco foi quando já tinha meus 11 ou 12 anos: eu e meu irmão tínhamos um saudoso Mega Drive (e que vou afirmar até o fim da vida que era melhor que o Super Nintendo, mesmo sendo mentira). Alugávamos games quase toda a semana. Um certo dia, o jogo da vez foi o clássico Side Pocket - jogo de sinuca viciante que nos tirou horas de vida. Lembro que estávamos na casa dos nossos amigos até a noite, e quando voltamos em casa, nos deparamos com nossos pais, com controles em punho, se digladiando na sinuca virtual. Nós não explicamos como jogava, nem nada, eles apenas nos viram jogando e resolveram brincar na nossa ausência (e vai saber há quanto tempo eles já estavam lá). Foi engraçado, porque eles pareciam até envergonhados, pois diferente de nós - que hoje podemos puxar um game sem problemas e brincar com os filhos, já que nossa infância foi assim também - eles não tiveram videogame algum quando crianças, e era um mundo novo pra eles. Por fim, acabamos os quatro fazendo um mini campeonato, que durou os dias seguintes, até devolvermos o jogo.

Nostalgia!

Esse fato ficou guardado na minha memória afetiva, e talvez seja um indício que SIM, faltou uma interação maior com meus pais quando eu era mais novo, por mais inconsciente que seja. Então SIM, eu tenho que me adaptar e começar a brincar mais com meu filho, pois esses momentos de estreitamento de laços entre pais e filhos são o que fazem a infância valer à pena.

segunda-feira, 2 de março de 2015

A ameaça felina

Parece que estou fadado a vivenciar causos com animais de rua. Em uma mescla entre a história da cachorra louca e a do cão branco abandonado, semana passada foi a vez de um gato. Uma gata, na verdade. Desde cedo minha esposa disse que a gata estava rondando a vizinhança, perdida e assustada. Era filhote ainda. À noite começou uma chuva forte, e a gata fugiu para debaixo do meu carro. Os cachorros da casa queriam o couro dela, por isso ela começou a miar, desesperada.

Olha a cara da safada.


Corações moles que somos quando o assunto é animais, resgatamos a gata amedrontada e prometemos a nós mesmos que iríamos soltá-la assim que a chuva acabasse. Mas quis o destino que, em uma conversa descontraída pelo Facebook, uma conhecida nossa quisesse ficar com a gata, mas disse que só poderia ir até a nossa casa para pegá-la no fim do dia seguinte. Aí é que começou um exercício de “gestão de felino em uma casa com bebê e cachorros”.


Segura!


Não poderíamos deixá-la na parte de fora, pois os cães iriam matá-la ou ela poderia fugir; não queríamos mantê-la solta na casa, fazendo o que quisesse, pois eu sou alérgico a gatos, e como pobre só herda as desgraças dos pais, provavelmente meu filho também deve ser - e pêlos de gato por cima do sofá que a criança fica brincando não seria nada agradável. Além disso, sabemos que o bicho pode ser arisco, e a qualquer momento poderia acabar machucando o guri também (que provavelmente tentaria dar uma puxada no rabo do bichano).


… Ou poderia também nos executar sumariamente enquanto dormimos...


Assim, passamos o dia vigiando a gata, seguindo-a em todos os lugares que ela ia e sempre tirando de cima dos locais onde o guri normalmente fica. Dormiu dentro do box do banheiro (muito a contra gosto) e passou boa parte do dia deitada num canto recluso da casa. Sabe o pior da história? Meu filho adorou o bicho. Olhava pra ela e começava a rir, queria passar a mão, puxar os pêlos ou qualquer coisa que a fizesse interagir com ele. E a gata gostou - inclusive fechou os olhinhos pra receber o que podemos chamar de “carinho” (mas que na verdade eram puxões).


Isso aconteceu umas duas vezes, pelo menos


Quando o dia já estava terminando, veio a notícia: a pessoa não ia mais ficar com a gata, pois a mãe havia proibido. E estava chovendo mais uma vez, e forte. Dilema à vista: como proceder? Larga a gata na chuva? Fica mais uns dias com ela - vigiando seus passos? Adota de uma vez - correndo o risco de morrer na boca de um dos cães, machucar nosso filho ou desencadear uma crise alérgica familiar?

A solução foi a mais racional possível: colocamos a gata no quintal dos fundos, com água e comida. Se ela quisesse ir embora após a chuva passar, tudo bem. Se ela quisesse ficar por ali, mas sem acesso à nossa casa, tudo bem também. Se ela preferisse passear pela vila e voltar ali de vez em quanto pra fazer uma boquinha, não tinha problema. No fim, ela foi embora, e não voltou. Esperamos que ela tenha reencontrado o caminho de casa ou alguém com mais recursos para ficar com ela. Mas pra nós, aqui, a prioridade sempre será o bem estar do nosso filho, por mais que ele tenha adorado a gata - e nós também, de certa forma.