sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Um filho especial


“Mas ele é perfeitinho, doutor?” é provavelmente a pergunta que os médicos mais ouvem durante um ultrassom. A razão é óbvia: nada amedronta mais os “pais grávidos” do que a incerteza que seu filho nascerá com saúde. Contudo, às vezes acontece - se não no nascimento, no decorrer da infância. E precisamos aprender a lidar com isso, sendo os principais envolvidos ou apenas como terceiros num relacionamento de amizade ou familiar com quem convive diariamente com esse desafio.


Basicamente há 3 tipos de reação quando as pessoas descobrem que nosso filho tem necessidades especiais (se você não sabia, leia o relato aqui):
  1. As que não têm a mínima noção da gravidade da situação (“nossa, 3 anos e ainda não anda?”, “minha filha já falava tudo com 2 anos” ou “a prima da irmã da minha amiga tem um filho com 3 anos que escreveu um livro em mandarim”);
  2. As que acham que é bem mais grave do que realmente é (“mas ele consegue comer normalmente?”, “ele reconhece vocês?” ou “OI NENÉM TUDO JÓIA?” - isso sendo falado bem alto e lentamente, como se falasse baleiês);
  3. As que, mesmo que não entendam exatamente o que aconteceu e quais as consequências disso, ao menos questionam e tentam compreender.


Por óbvio, não é sempre que acabamos ouvindo as reações diretamente da boca da pessoa, mas apenas o olhar dela já é capaz de exibir em qual das alternativas acima ela se encaixa.  E acredite: sabemos que não é por mal, afinal entendemos que não é uma situação comum e é difícil saber como agir em frente a um fato novo. Nós mesmos provavelmente já fizemos esse olhar para alguém que passa por algo parecido. Muitas vezes nós, como pais, somos alvos do mesmo olhar de pesar, como se o mundo tivesse desabado na nossa cabeça.


Na verdade, desabou sim. Há um ano e meio atrás, era assim que nos sentíamos, mas também sabíamos que o guri dependia de nós, que se não nos puséssemos de pé e tirássemos os escombros de cima de nós, ele nunca conseguiria fazer o mesmo sozinho. Mas hoje já aprendemos a lidar com a situação e, mesmo que muitas vezes ainda nos machuque lembrar ou ver que ele ainda não chegou à evolução desejada, posso garantir que cuidar dele é bem mais fácil do que a grande maioria dos conhecedores da nossa situação acham que é.


Costumamos dizer que ele “nasceu de volta” após o ocorrido, e o engraçado é que hoje, mesmo com quase 3 anos e meio, ele me parece muito com uma criança entre 1 ano e meio e 2 anos: está perto de voltar a andar sozinho (já dá passos independentes, mas se desequilibra com facilidade), já fala algumas palavras mais fáceis e está aprendendo a juntar as sílabas, começou a comer sozinho (embora mais brinque com a comida do que coloque ela na boca) e faz traquinagens como qualquer criança pequena. Mas, acima de tudo, é uma criança feliz, de riso fácil e humor leve - e isso que nos dá forças cada vez mais para remontar o mundo que desabou. Sua evolução é mais lenta, seu comportamento ainda não condiz com sua idade, mas temos fé, esperança e, principalmente, embasamento dos médicos para acreditar que, em algum momento, ele vai sim ter uma vida comum, dessas que nós, egoístas perfeitos, ainda teimamos em reclamar.


Então, se por acaso você conviva com alguém que tem filho com necessidades especiais, te convido a tentar compreender melhor a situação, conversando com os pais e interagindo com as crianças. Você vai passar a apreciar mais algumas coisas que antes pareciam banais, e também se tornará mais forte para enfrentar pequenos obstáculos que antes pareciam enormes. E se você, por acaso, é uma mãe ou um pai de um filho com necessidades especiais, se dê o direito de rir, de chorar, de ter um jantar romântico ou ir ao cinema e deixar sua criança com os avós, de tirar fotos engraçadas no Instagram, permita-se de vez em quando ter inveja das crianças que têm a mesma idade que seu filho ou filha (porque somos seres humanos, com defeitos, e não há como evitar ver no outro “como seu filho poderia ser hoje”, por mais feio que o sentimento possa parecer) e, mais que tudo, jamais deixe que a dificuldade do seu filho se torne a sua, pois como eu disse acima, ele(a) depende de você. A vida não pode parar por conta de um tropeço - por maior que tenha sido a queda.

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